Resenha de “Calibã e a bruxa”, de Silvia Federici

“Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva” foi um dos melhores livros que li esse ano. Ao longo das mais de 450 páginas, Silvia Federici desenvolve uma análise histórica, remontando fatos no mundo pré-moderno que ajudam a entender a situação da mulher na atualidade. Durante a leitura, em vários momentos, tive a sensação de repetição e isso denota o quanto a história das mulheres vem se mostrando reincidente, quando olhamos pelos viéses da exploração e dominação masculina.

A autora demonstra o quanto a lógica capitalista, desde o início, estabelece diferenças sexuais e funções sociais específicas para homens e mulheres. Ao serem relegadas ao lar e ao privado, as mulheres passam a ter um poder social menor no capitalismo, embora este só possa se fortalecer e atingir o potencial atual a partir da destruição da figura da bruxa, sua domesticação e paulatina exploração de sua força de trabalho gratuita, excluindo-a do trabalho assalariado.

A bruxa sintetiza, ao longo da história, a figura da herege, da curandeira, da esposa desobediente, da mulher que ousava viver só e controlar a natalidade por meios próprios. Em suma, da mulher que não se curvava diante da destruição de seus direitos e liberdades, em prol de um modelo econômico de acumulação de bens fortalecido por quem estava no poder.

A Igreja Católica é ativa na construção da mítica da bruxa e na cruzada em prol de sua destruição. Silvia Federici explicita no livro o quanto a perseguição às bruxas esteve relacionada, sobretudo, a uma necessidade de mão de obra e, por isso, fortaleceu-se no espaço religioso, que era bastante político, uma guerra contra todas que tinham conhecimentos que permitiam evitar a gravidez ou interrompê-la. O fim disto era a “racionalizacao da reproducao social”.

Um dos pontos altos do livro, para mim, é a crítica da autora à análise de Marx sobre a acumulação primitiva do capital, que se dá sob um ponto de vista do proletariado assalariado de sexo masculino. Como a própria autora frisa, seu objetivo é apresentar tal análise a partir do ponto de vista das mulhares. Isto a leva a identificar o desenvolvimento de uma nova divisão sexual do trabalho, baseada em uma ordem patriarcal, que exclui as mulheres do trabalho assalariado e as subordina aos homens. A autora destaca, ainda, que há a “mecanizacao do corpo proletário”, que, no caso das mulheres, as transforma em “uma máquina de produção de novos trabalhadores”.

Sua crítica mais forte à proposta de Marx está em apontar que o desenvolvimento capitalista não cria condições materiais para liberar a humanidade da escassez, pelo contrário, a fase da globalizacao capitalista leva aos aspectos mais violentos da acumulação primitiva, marcada pela expulsão dos camponeses da terra, guerras, saques em escala global e maior degradação das mulheres.

“Marx nunca poderia ter suposto que o capitalismo preparava o caminho para a libertação humana se tivesse olhado sua história do ponto de vista das mulheres” (FEDERICI, 2017, p. 27).

Foto: Divulgação

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